Um bom exame clínico, envolvendo a escuta atenta de queixas, faz o médico pedir algumas dosagens no sangue. "Uma delas é a do TSH", conta o Dr. Danilo Villagelin, professor da PUC Campinas (Pontifícia Universidade Católica), no interior paulista, e atual presidente do Departamento de Tireoide da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia)."Afinal, ele é o primeiro a ficar alterado quando há um hipotireoidismo. Isso acontece antes mesmo de a gente notar qualquer diferença na quantidade de hormônios tireoidianos circulando."
Faz sentido. A tireoide saudável de um adulto jovem produz de 80 a 100 microgramas de hormônios todo dia. Mas, nessa população, a quantidade na circulação é bem maior: em torno de 1.000 microgramas por decilitro de sangue.
Logo, quando a produção tireoidiana despenca, o estoque sanguíneo pode mascarar a situação por um tempo. A hipófise, porém, não se deixa enganar. Para evitar a falta de abastecimento de T3 e T4, ela aumenta os níveis de TSH em uma tentativa de acelerar o trabalho da glândula no pescoço.
"O segundo hormônio que fica alterado é o T4", explica o Dr. Villagelin. "E também é mais fácil, do ponto de vista metodológico, ter um retrato fiel do que está acontecendo ao dosá-lo."
No caso, o que a gente vê nos resultados dos exames é o nível do chamado T4 livre. Entenda o que significa: "Esse hormônio produzido pela tireoide precisa de uma molécula transportadora, como se fosse um táxi, para levá-lo até o órgão onde irá agir. Ela é uma proteína. Mais especificamente, uma albumina", ensina a Dra. Carolina Ferraz, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. "Uma molécula de T4 livre é aquela que ainda não encontrou essa carona. Está sozinha circulando pelo sangue. E é mais fácil dosá-la."
Finalmente, o último a dar sinais de queda é o T3, a forma mais ativa de hormônio tireoidiano. Trata-se da forma ativa do hormônio tireoidiano. Mas os outros dois já dão um bom retrato do que está acontecendo.
Todo mundo precisa ser tratado?
Quando a pessoa apresenta sintomas, mesmo que eles sejam pouco específicos, e os exames laboratoriais confirmam a suspeita de hipotireoidismo, não resta muita dúvida de que ela precisará iniciar o tratamento de reposição.
"A interrogação é nos casos de hipotireoidismo subclínico, quando as alterações são mais sutis e o quadro é assintomático", diz o professor de farmacologia terapêutica da Unidade de Tireoide da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rafael Selbach Scheffel. "Isso vem rendendo grandes debates nos congressos científicos e meios acadêmicos."
Discute-se, por exemplo, se idosos de fato se beneficiariam com a reposição. E até mesmo se a gestante, se tem níveis apenas ligeiramente alterados, seria candidata ao tratamento. Vale, portanto, a máxima: nesses grupos, cada caso é um caso a ser analisado pelos médicos.
A reposição hormonal
O tratamento do hipotireoidismo é feito com um único comprimido diário de levotiroxina, que copia à perfeição o hormônio T4. Talvez você se pergunte: mas, e o T3?
No corpo, boa parte das moléculas de T4 também é transformada em T3 para cumprir suas funções dentro das células. Para isso, basta perder uma de suas quatro moléculas de iodo — é daí que vem o número de "T4", por sinal.
A pedrinha que serve de obstáculo para muita gente é que o comprimido precisa ser engolido depois de, no mínimo, duas horas de jejum e, então, deve-se esperar mais meia hora para comer. A acidez estomacal é extremamente necessária para a levotiroxina ser, digamos, ativada e bem absorvida.
"A absorção não ocorre tão bem se a pessoa, apressada, toma o remédio com o café", avisa o Dr. Villagelin. E isso — não respeitar o jejum — é uma das atitudes que acabam prejudicando o tratamento e reduzindo a adesão do paciente, de acordo com o Dr. Scheffel. Para ele, os erros na hora de usar o medicamento são o fator que mais atrapalha.
"Claro que há razões sociais por trás de uma má adesão, envolvendo até mesmo a educação, sem contar fatores psicológicos desencadeados pela descoberta de que você vai precisar de um determinado remédio para o resto da vida", reconhece ele, que é também o atual vice-presidente do Departamento de Tireoide da SBEM. "No entanto, se a gente parar para pensar, essa reposição é simples, acessível, praticamente sem efeitos adversos e muito bem tolerada. A questão é que, feita do jeito errado, não entrega o benefício. Então, os sintomas persistem e o paciente termina largando mão."
A importância do sono
Na convivência com o hipotireoidismo, um sono de qualidade ajuda muito. "Para começo de conversa, todos os hormônios do nosso corpo são regulados conforme o ciclo sono-vigília, geralmente com um pico pela manhã que vai diminuindo ao longo do dia", justifica a Dra. Carolina. "Portanto, a falta de rotina para dormir e acordar costuma tirar sua produção do ritmo."
E não são apenas os horários que contam: o sono precisa ser reparador, sem a pessoa ficar despertando no meio da madrugada.
Fazer exercício ajuda?
Infelizmente, não há evidência científica de que a atividade física, embora faça bem à saúde como um todo, dê uma força aos hormônios tireoidianos ou alivie os sintomas provocados pela sua falta.
"Ao contrário, a pessoa com hipotireoidismo que não se trata nota que, por mais que treine, seus músculos nunca ficam muito saltados, nem a perda de peso é tão evidente", observa a Dra. Carolina. "É que os hormônios tireoidianos participam do crescimento muscular."
Da mesma forma, naquela corrida na esteira, o fôlego não parece progredir— e isso por causa dos batimentos cardíacos mais lentos, lembra? Tampouco o ânimo se eleva, como sentem alguns indivíduos sem hipotireoidismo quando vão malhar. Isso porque um estado depressivo não melhora tanto enquanto T3 e T4 não estiverem disponíveis em dosagens adequadas.
Pensando na tireoide, a única possível vantagem de praticar exercício físico regularmente, de acordo com a Dra. Carolina, seria amenizar a inflamação por trás da doença autoimune — no caso, a tireoidite de Hashimoto. Isso frearia um pouco os maus-tratos que a glândula recebe das próprias defesas do corpo.
De olho no prato
Se não há muito benefício na atividade física quando a gente lembra da tireoide, em compensação surgem cada vez mais estudos sobre o elo entre determinados alimentos e o funcionamento da glândula.
O que incluir no cardápio
Pitadas moderadas de sal - No Brasil, o condimento tem adição de iodo e esse mineral é matéria-prima para os hormônios tireoidianos. A gente precisa ingerir apenas 150 microgramas por dia para ele cumprir esse papel. Isso equivaleria a cinco ou seis pitadinhas de sal, bem pouco mesmo. O que não fazer: exagerar no saleiro ou, pior, lançar mão de soluções de iodo vendidas em farmácia. Se há excesso, o tiro pode sair pela culatra. "Se a concentração do mineral for muito grande, em uma reação de defesa pode acontecer um bloqueio de sua entrada na tireoide e, aí, o hipotireoidismo surge ou se agrava", diz a Dra. Carolina.
Selênio - O mineral, abundante na castanha-do-Pará, é importante para o bom funcionamento da tireoide. Ele também é encontrado em fontes como peixes, ovos e grãos integrais. O que não fazer: comer mais do que 1 ou 2 castanhas-do-Pará por dia, que já trazem todo o selênio de que a sua tireoide precisa. O excesso do mineral é tóxico. "Prefira as fontes na dieta e nem cogite a suplementação", aconselha a médica.
O que reduzir no cardápio
Soja e seus derivados - As suas famosas isoflavonas são capazes de inibir uma enzima que participa da produção dos hormônios tireoidianos. A dica: ninguém precisa cortar a soja do cardápio, mas consumi-la com moderação. O desafio é reparar no rótulo dos alimentos industrializados: muitos têm esse ingrediente.
E o glúten? Nas palavras da Dra. Carolina, "esse é um tema polêmico". Isso porque muita gente propaga que sentiu melhorar do hipotireoidismo ao tirar alimentos com glúten da dieta. "Isso, porém, não tem comprovação."
O que talvez aconteça é a pessoa ter um certo grau de intolerância a essa proteína do trigo. Aí, ao deixar de consumi-la, a digestão melhora e a reposição dos hormônios tireoidianos sai ganhando.
Erros na hora de usar a levotiroxina
Segundo o Dr. Villagelin, estudos epidemiológicos realizados nos Estados Unidos mostram o seguinte: apenas 60% das pessoas com hipotireoidismo que usam a levotiroxina apresentam níveis hormonais adequados, enquanto 20% têm níveis mais altos do que deveriam e outros 20% continuam com taxas aquém do desejável.
Problema do remédio? "Não. O problema são os equívocos que muitos pacientes cometem", analisa o endócrino. Abaixo os mais comuns:
1. Não tomar o remédio ao acordar e engolir o comprimido de qualquer jeito depois
A disciplina do jejum precisa ser rigorosa, muito mais do que a questão do horário. Portanto, quem tomou café da manhã por estar atrasado ou até por ter se esquecido do remédio deve ficar duas horas sem engolir nada para daí pegar o comprimido - - "não vale nem sequer tomar líquidos", orienta o Dr. Villagelin. Por falar nisso......
2. Tomar a levotiroxina em jejum, mas junto com copo cheio de água
Procure dar poucos goles, só uns 30 mililitros de água, para facilitar a deglutição do comprimido. Isso equivale ao volume de uma xícara pequena de café. Lembre-se: a ideia é não diluir os ácidos do estômago. Pela mesma razão......
3. Usar medicamentos para dor de estômago
E aqui estamos falando da classe dos inibidores de bomba de prótons, prescritos justamente para bloquear a produção de ácido gástrico quando a pessoa vive sentindo a barriga queimar. "Este é o exemplo que salta aos olhos, mas na verdade vários medicamentos comuns são capazes de atrapalhar a boa absorção da levotiroxina", afirma o Dr. Scheffel. "Entre eles, os que contêm sulfato ferroso ou cálcio." Aliás......
4. Não contar ao médico que está usando suplementos vitamínicos
"Às vezes, no acompanhamento de um paciente que estava indo bem com a reposição, a gente nota uma diminuição aparentemente inexplicável das dosagens hormonais", conta o Dr. Scheffel. "Vai checar e descobre que ele começou a tomar suplementos, que muitas vezes são ricos em ferro e cálcio." Para ele, ninguém deixa de relatar esse novo hábito propositalmente: "Como são considerados nutrientes, as pessoas simplesmente se esquecem de falar disso quando indagadas sobre o uso contínuo de algum comprimido."
5. Beber muito café
Segundo a Dra. Carolina, essa mania nacional pode atrapalhar a ação da levotiroxina no organismo.
6. Deixar de tratar qualquer problema que dificulte a absorção de nutrientes
Fácil deduzir que ele vai prejudicar a absorção da levotiroxina também. "Um exemplo é a intolerância à lactose", diz a médica. "Se ela está causando diarreias, isso pode alterar a quantidade de hormônio que o organismo acaba absorvendo."O mesmo vale para a síndrome do intestino irritável e a intolerância ao glúten.
7. Guardar os comprimidos em qualquer lugar
"É preciso tomar cuidado porque a levotiroxina é bastante sensível ao calor e à luz", ensina o Dr. Villagelin. "Quem deixa a caixa pegando sol acaba perdendo parte do princípio ativo."
8. Trocar a marca do hormônio sem o médico por perto
Os especialistas concordam que um dos processos mais delicados é o de ajustar a dose. E ela pode ser ligeiramente diferente conforme a composição do comprimido. Aqui vale aquele ditado popular para não mexer em time que está ganhando. Mas, se houver necessidade por qualquer motivo, deverá ser feito um acompanhamento das dosagens de TSH e T4 livre.
9. Faltar nas consultas de acompanhamento
A necessidade de visitar o médico de tempos em tempos também é para a vida inteira. Afinal, vários fatores são motivo para ajustar a levotiroxina - doenças, mudanças drásticas no estilo de vida, uso de novos medicamentos... "No idoso, muitas vezes precisamos diminuir a dosagem", exemplifica a Dra. Carolina. "Já na gestante, que precisa suprir a necessidade do bebê, pode ser o caso de aumentá-la."
10. Não dar tempo para os hormônios se estabilizarem
Segundo o Dr. Villagelin, enquanto as dosagens hormonais não estiverem estáveis, as consultas deverão se repetir a cada mês e meio ou dois meses. Checar se qualquer ajuste deu certo antes disso não vale pena: esse é o prazo para a hipófise voltar a regular tudo de novo e os níveis de hormônio se equilibrarem. "Quando a dose se estabiliza, as consultas podem ser semestrais."
Para facilitar a adesão ao tratamento
Na opinião do Dr. Scheffel, a conversa franca entre o médico e o paciente faz total diferença, porque o pior dos mundos é um tratamento malfeito, colocando todo o funcionamento do organismo em uma corda bamba.
"O paciente precisa contar com sinceridade quando não está conseguindo incorporar a levotiroxina no seu dia a dia e o médico, nessas horas, precisa ser parceiro", diz.
Desse modo, se acordar mais cedo por causa do tratamento não funciona para aquele indivíduo, vale testar se não daria certo deixar para tomar a levotiroxina antes de dormir. Estudos indicam que, antecipando um pouco o jantar, a diferença de absorção entre o horário matinal e o noturno acaba não sendo tão relevante.
"Se o problema é o jejum em si, a gente pode até subir um pouco a dose do medicamento para tentar compensar", explica. "Da mesma forma, podemos aumentar o hormônio se a pessoa precisa de fato tomar algum medicamento capaz de dificultar o seu aproveitamento."
O fundamental é, uma vez combinado o que será feito, tomar o remédio sempre do mesmíssimo jeito. "Se a levotiroxina é usada de um jeito diferente conforme o dia da semana, por exemplo, nunca conseguiremos ajustá-la", avisa o Dr. Scheffel.
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Material destinado ao público em geral. Maio/2023. BRZ2274609.
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